sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Afta (Estomatite Aftosa Recorrente)

            A Estomatite Aftosa Recorrente (EAR) é uma doença inflamatória crônica caracterizada por úlceras orais dolorosas, recorrendo com frequência variada. Caracterizada como doença idiopática, costuma ser subdiagnosticada ou simplesmente ignorada.
A EAR figura entre as lesões orais mucosas mais comuns e causam morbidade significativa. Embora sejam em geral autolimitadas, em alguns indivíduos a atividade das úlceras pode ser quase contínua.
A estomatite aftosa recorrente simples deve ser diferenciada dos casos de estomatite aftosa complexa, as quais correspondem a 5% dos casos.
              O termo “estomatite aftosa recorrente” deveria ser reservado para úlceras recorrentes confinadas à boca, na ausência de doenças sistêmicas. Úlceras semelhantes podem ser encontradas na síndrome de Behçet, na doença celíaca, nas doenças inflamatórias intestinais e na AIDS, sendo conhecidas como lesões aftosas-like.

FREQUÊNCIA
          Dados precisos sobre a frequência no Brasil são inexistentes, porém as estatísticas americanas mostram que a doença afeta 20% da população em algum momento da vida, com incidência de até 50% em certos grupos, como os estudantes de Medicina. Crianças de grupos socioeconômicos mais elevados podem ser mais afetadas do que aquelas de poder aquisitivo mais baixo.
              A EAR já foi relatada em todos os continentes, com frequência geral variando de 2% a 66%.
Em crianças e em alguns grupos de adultos afetados, a incidência de EAR é discretamente maior nos indivíduos do sexo feminino. Nas mulheres adultas, os surtos ocorrem com maior assiduidade durante a ovulação ou antes da menstruação, além de as remissões serem comuns durante a gravidez.
É mais frequente em crianças e adultos abaixo dos 40 anos, com início entre cinco (5) e 19 anos de idade. Os casos ocorrem em não fumantes e em todos os grupos étnicos.

CLASSIFICAÇÃO
São três (3) tipos clínicos de EAR:
1 – Úlceras aftosas minor;
2 – Úlceras aftosas major;
3 – Úlceras herpetiformes.

ÚLCERAS AFTOSAS MINOR
- 80% dos casos.
- Ocorrem principalmente em pessoas jovens.
- Diâmetro médio de 2 mm a 10 mm.
- Em geral redondas ou ovóides, podem ser lineares quando afetam o sulco bucal.
- uma (1) a seis (6) úlceras por surto.
- Sintomas discretos.
- São mais encontradas nas áreas mucosas como lábios, mucosa bucal, superfície ventral da língua.
- Tempo de cicatrização de sete (7) a 10 dias.
- Intervalo de recorrência de um (1) a quatro (4) meses.
- Não deixam cicatriz.

ÚLCERAS AFTOSAS MAJOR
- 10% a 15% dos casos.
- Em geral, atingem 1 cm de diâmetro.
- Encontradas em qualquer área da mucosa oral.
- Cicatrização lenta.
- Recorrências extremamente frequentes.

ÚLCERAS AFTOSAS HERPETIFORMES
- 5% a 10% dos casos.
- Mais comuns em mulheres de idade um pouco maior que nos grupos anteriores.
- Iniciam-se com vesiculação, passando rapidamente para múltiplas úlceras diminutas aglomeradas que coalescem em uma ou mais úlceras maiores.
- duas (2) a 100 lesões por surto.
- Podem atingir qualquer área da mucosa oral.
- Cicatrizam em 10 ou mais dias.
- Extremamente dolorosas.
- Recorrências frequentes.

FISIOPATOGENIA
           A etiologia da EAR não está completamente elucidada, permanecendo o cunho de doença idiopática, provavelmente multifatorial. Pode ser uma manifestação de um grupo de desordens etiologicamente distintas ao invés de uma entidade única.
A alteração primária parece resultar da ativação do sistema imunológico celular. São encontrados nas lesões macrófagos, linfócitos T citotóxicos e natural killer, mastócitos, bem como níveis elevados de interferona gama, TNF-alfa, interleucinas (IL)-2, IL-4 e IL-5. Citotoxicidade in vitro direcionada aos queratinócitos orais também foi relatada.
            Vários estudos tentaram identificar um microrganismo causador para a doença, como patógeno primário ou por meio de estímulos antigênicos, sem dados conclusivos. Foram incriminados os herpesvírus humanos, Streptococcus sanguis, Mycobacterium tuberculosis e Helicobacter pylori.
Uma história familiar de EAR é evidente em um terço dos pacientes, que apresentam concordâncias na idade precoce de aparecimento e na gravidade dos sintomas. Parece haver uma maior freqüência dos HLA A2, A11, B12 e DR2, no entanto a suscetibilidade é claramente variável, com um provável padrão de herança poligênico e penetrância dependente de outros fatores.
             Em vários estudos, deficiências hematológicas (ferro, ácido fólico, vitaminas B6 e B12) aparecem com uma frequência duas (2) vezes maior nos pacientes com EAR quando comparados a controles. Até 20% dos pacientes podem apresentar algum tipo de deficiência.

CLÍNICA
          O diagnóstico de EAR é clínico. Os pacientes tipicamente referem pródromos de queimação ou desconforto na mucosa oral um (1) a dois (2) dias antes do aparecimento das úlceras. Podem ser mencionados fatores predisponentes como traumas locais e outros.
       Inicialmente, aparecem pápulas endurecidas, enantematosas que erodem para úlceras bem circunscritas, redondas ou ovóides, com assoalho amarelado evoluindo para acinzentado, halo enantematoso e edema discreto. O restante da mucosa oral deve estar sem alterações.
HISTÓRIA CLÍNICA
- Episódios prévios, idade de início, duração, localização e tamanho das lesões anteriores bem como tratamentos já realizados e suas respostas.
- Medicações em uso: associações são relatadas com o uso de nicorandil, anti-inflamatórios não hormonais (AINH), alendronato, betabloqueadores e agentes citotóxicos.
- Uso de dentifrícios e outros produtos de higiene oral contendo lauril sulfato de sódio.
- Sensibilidade a alimentos.
- Cessação do hábito de fumar.
- Relação com o ciclo menstrual.
- Relação com estresse psicológico e ansiedade.
- Antecedentes de úlceras aftosas, doença de Behçet, doenças inflamatórias intestinais, doença celíaca e lúpus.
Quaisquer úlceras com duração superior a três (3) semanas requerem considerações sobre a possibilidade de outros diagnósticos como câncer, infecções e vasculites, líquen plano, pênfigo e penfigoide.

INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
O diagnóstico da EAR é baseado na história e apresentação clínica, devendo os exames complementares serem reservados para os casos mais extensos, atípicos e em que há dúvidas sobre diagnósticos diferenciais. Podem ser realizados:
- hemograma completo com contagens diferenciais e VSH;
- dosagens séricas de ferro, ferritina e capacidade de fixação de ferro;
- dosagem sérica de vitamina B12;
- anticorpo antiendomísio e transglutaminase (positivos na doença celíaca);
- outros: culturas virais, colonoscopia, teste de patergia, anticorpos antinucleares, patch test, anti-HIV.
Biopsia deve ser considerada para úlceras com duração superior a três (3) semanas a fim de descartar malignidades e outras desordens mucocutâneas.

TRATAMENTO
No tratamento da EAR, são utilizados vários agentes, alguns deles sem demonstração de resultados terapêuticos específicos em pesquisas, sendo assim baseados em dados empíricos. Tem como objetivos o manejo da dor e das alterações funcionais, a redução do período de cicatrização, a redução da frequência das recorrências e evitar o aparecimento de novas lesões.
A maioria dos pacientes com úlceras aftosas minor e herpetiformes pode ser tratada apenas obedecendo às recomendações dos cuidados locais e utilizando a terapêutica tópica. Apenas nos casos mais resistentes ou graves, deve lançar-se mão das terapias sistêmicas, sempre observando o balanço entre o custo e o benefício.

MEDIDAS GERAIS
- Evitar traumas locais, como objetos e alimentos duros ou pontiagudos (torradas, nozes, escovas dentais com cerdas duras).
- Modificar a dieta de forma a contribuir para o sucesso do tratamento. Alguns alimentos parecem desencadear as crises, bem como prolongar o curso das lesões já existentes. Os alimentos duros, acídicos, muito salgados, apimentados e bebidas alcoólicas ou carbonadas devem ser ingeridos com parcimônia.
- Evitar os produtos para higiene oral contendo lauril sulfato de sódio.

TRATAMENTO TÓPICO
- Anestésicos locais como a lidocaína e a benzocaína podem ser utilizados para alívio temporário da dor local, especialmente quando existe prejuízo à ingesta hídrica e calórica. Podem ser aplicados com hastes flexíveis de algodão, em geral antes das refeições.
- Antissépticos e anti-inflamatórios locais parecem reduzir a sensação álgica e até a gravidade e algumas lesões. Produtos contendo clorexidina e triclosana podem ser úteis.
- Os inibidores de metaloproteinase, incluindo a tetraciclina, doxiciclina e minociclina, demonstraram reduzir a duração e a dor das aftas orais. O mecanismo de ação é desconhecido, ma tem sido atribuído ao efeito antimicrobiano direto ou através da inibição da quimiotaxia e quimiotoxicidade.
- Bioadesivos à base de 2-octil-cianoacrilato parecem reduzir significativamente a dor, sem alterar o tempo de cicatrização.
- O sucralfato tópico é capaz de aliviar o desconforto local, aderindo às membranas mucosas e formando uma barreira protetora do local afetado.

CORTICOSTERÓIDES TÓPICOS
- Os corticosteróides tópicos são capazes de acelerar a cicatrização das úlceras e reduzir a dor. Essas drogas diminuem a inflamação, suprimindo a migração de leucócitos polimorfonucleares e revertendo a permeabilidade capilar.
- podem ser aplicados diretamente sobre a afta, especialmente quando formulados em orobase, ou ainda utilizados na forma de aerossóis e enxágües bucais.
- O uso de infiltração intralesional deve ser cogitada, especialmente nos casos de úlcera única e com quadro álgico importante. Por ser utilizada a triancinolona.
- O principal efeito colateral desta modalidade é a candidíase oral, porém existe o risco de absorção sistêmica e alteração do eixo hipotálamo-hipofisário, e o risco de causar supressão adrenal
.
OUTRAS OPÇÕES TERAPÊUTICAS
- Aplicação tópica de ácido 5-aminossalicílico.
- A prostaglandina E2 tópica em gel preveniu o aparecimento de novas aftas em estudo envolvendo pequeno número de pacientes.
- Existe controvérsia sobre o uso de técnicas que promovem a transformação das lesões inflamatórias em queimaduras ou lesões traumáticas, como é o caso do nitrato de prata, da crioterapia e da remoção cirúrgica das úlceras. Alguns autores acreditam que as feridas resultantes seriam menos dolorosas e cicatrizariam mais rápido, porém sem dados conclusivos.
- Os lasers vêm sendo utilizados com alguma resposta na melhora da dor, da cicatrização e da redução das recorrências, especialmente o Nd: YAG e o CO2.