O cirurgião-dentista moderno, como verdadeiro
profissional da saúde, tem o dever e mais do que isto, a obrigação
de conhecer detalhadamente as estruturas anatômicas da cavidade
bucal, objetivando reconhecer e diagnosticar as diversas patologias quer
de caráter local ou sistêmico que comprometem essa cavidade.
A elaboração do processo de diagnóstico
de uma anormalidade deve estar alicerçada no binômio sinais
e sintomas, não bastando apenas identificar uma anormalidade. Nesse
particular, tem se afirmado que o diagnóstico é a capacidade
do clínico de detectar ou notar a presença de uma alteração.
A afirmativa dificilmente pode ser considerada como conceito básico,
posto que subentende, por exemplo, que o diagnóstico é simplesmente
a detecção de um sinal clínico como uma nodosidade,
uma úlcera ou uma bolha Na realidade, até
um leigo é capaz de perceber a existência de anormalidade
em presença de uma pessoa com face deformada. Em outras palavras,
a simples constatação de uma alteração não
revela conhecimento ou capacidade de identificar o processo patológico
que a causou.
Como já se disse, o diagnóstico de uma
anormalidade só pode ser realizado no conhecimento da sintomatologia
apresentada. Além disso, como finalidade última do diagnóstico
é sugerir e fornecer base correta para o plano de tratamento mais
adequado, na realidade, torna-se pré-requisito necessário
á terapêutica.
Muitas alterações carecem de sinais e sintomas
esclarecedores, induzindo a erros na elaboração do diagnóstico
e dedução do prognóstico, comprometendo até
mesmo profissionais experientes. Muitas alterações ou anormalidades
bucais não se traduzem necessariamente por doença, tratando-se
muitas vezes de "desvio de normalidade" sem apresentar alterações
patológicas significativas.
Inúmeros métodos e procedimentos podem
ser utilizados na confecção de um diagnóstico correto,
baseado apenas na observação clínica, sem recorrer
a qualquer outro dado ou informação, sendo denominado de
"diagnóstico clínico ". Em essência, o diagnóstico
clínico é a identificação de uma anormalidade
baseada apenas na observação e avaliação da
entidade mórbida, através dos exames subjetivos e objetivos
Neste trabalho, trataremos primordialmente das alterações
mais comuns da cavidade bucal, não apresentando obrigatoriamente
caráter de doença, tratando-se tão somente de "desvio
de normalidade". Essa condição, no entanto, não exime
o profissional de efetuar um exame clínico detalhado e completo.
Na maioria das vezes essas anormalidades são traduzidas pelo "diagnóstico
clínico ", uma vez que os exames complementares são nesses
casos, na maioria das vezes, inconclusivos, não orientando a natureza
do processo.
LÍNGUA GEOGRÁFICA
Glossite migratória benigna, eritema benigno ou
língua geográfica é uma alteração de
etiologia desconhecida, embora acredita-se que possa estar relacionada
ao stress ou distúrbios psicogênicos .
Possui predileção por crianças e adultos jovens,
sendo encontrada aproximadamente em 2% da população dos
estados unidos, sendo ligeiramente mais frequente nas mulheres que nos
homens.
Clinicamente apresente-se como múltiplas áreas
planas avermelhadas com despapilação das papilas filiformes,
formando figuras circinadas. São delimitadas por uma linha branca
ou branca-amarelada de bordas bem definidas. Nas áreas de despapilação
das papilas filiformes, permanecem como pequenas pápulas avermelhadas,
as papilas fungiformes. Caracteristicamente ocorre uma repapilação
das áreas despapiladas e uma despapilação de áreas
anteriormente normais. Esse fenômeno de despapilação-repapilação
dá um aspecto de "mapa" sendo por isso denominada de língua
geográfica.
Usualmente a língua geográfica é
uma condição assintomática. Em alguns casos, porém,
os pacientes podem relatar irritação ou sensibilidade relacionados
ao consumo de alimentos condimentados e bebidas alcoólicas. Uma
alteração normalmente associada a língua geográfica
é a língua fissurada e nesses casos a sintomatologia tende
a ser mais evidente, graças a um excesso de crescimento de c. albicans
nas fissuras. Devido a condição benigna e assintomática
desta condição não é necessário tratamento.
Nos casos onde haja sintomatologia dolorosa, a administração
de anti-inflamatórios esteróides de uso tópico pode
levar a uma melhoria do quadro. Embora tenha sido proposto, o tratamento
com vitaminas do complexo B, não se mostrou eficaz quanto a sua
atuação. No brasil estudos confiáveis dão
conta que essa normalidade compromete 5% dos adultos jovens, não
apresentando maior significado clínico.
GLOSSITE ROMBÓIDE MEDIANA
Antigamente, considerava-se a glossite
rombóide mediana como sendo uma anomalia congênita resultante
da não fusão das metades laterais, antes que o tubérculo
ímpar se interpusesse entre elas. Hoje acredita-se que sua etiologia
esteja relacionada com uma infecção crônica causada
pela c. albicans. Seu papel no aparecimento da lesão ainda não
foi precisamente determinado. Segundo Gallina, 1968, não tem predileção
por sexo ou raça, estando presente em aproximadamente 3,35% da
população. É uma alteração que
existe desde o nascimento, mas sua observação só
pode ser feita com o crescimento da criança.
Clinicamente apresenta-se como uma zona avermelhada,
despapilada, de forma rombóide ou oval, localizada na linha média
do dorso lingual, imediatamente à frente das papilas valadas. Frequentemente, forma uma massa composta por vários
nódulos de limites irregulares, lisos e indolores. Deve ser considerado
como diagnóstico diferencial o carcinoma espino celular de dorso
de língua. Não existe tratamento para a glossite rombóide
mediana a não ser a aplicação de anti-fúngicos,
mesmo estes não tendo efetividade comprovada.
LÍNGUA FISSURADA
A língua fissurada é a alteração
mais comum da língua e que segundo Gallina ( 1968 ) está
presente em cerca de 5,92% da população . Não
tem predileção por sexo e sua incidência parece aumentar
com a idade. A irritação crônica e as deficiências
vitamínicas são consideradas como possíveis fatores
etiológicos, mas são necessários dados mais conclusivos.
Aceita-se a etiologia da língua fissurada como sendo uma anomalia
de desenvolvimento.
Manifesta-se clinicamente por um sulco central
profundo no dorso, associado a numerosas fissuras secundárias que
partem deste para as bordas da língua. O sulco central geralmente
é mais profundo que os secundários que possuem simetria
entre si.
Na maior parte dos casos é uma característica
que passa sem ser notada pelo paciente, a não ser que inicia-se
um processo de glossodinia e macroglossia com consequente edentação
nas bordas.
É uma alteração usualmente
indolor mas que pode apresentar sintomatologia graças ao acumulo
de alimentos nos sulcos. Havendo a fermentação dos restos
alimentares, instala-se um quadro de ardor e irritação,
consequente à instalação do processo inflamatório.
Não existe tratamento especifico para
a língua fissurada, mas deve se orientar o paciente a promover
higienização através de escovação e
bochechos.
LEUCOEDEMA
Até o momento ainda não foi estabelecida
a causa ou etiologia do leucoedema, apesar de ser um achado clínico
comum, em cerca de 70% da população negra . Parece ser
uma anomalia de desenvolvimento, se bem que alguns autores relacionam
essa anomalia com má higiene bucal e padrões anormais de
mastigação. Leucoedema é usualmente um achado acidental.
é assintomático , de distribuição simétrica
e encontrado na mucosa jugal. apresenta-se como um área esbranquiçada
ou leitosa . Nos casos mais acentuados pode-se notar uma alteração
textural da superfície.
Um elemento clínico extremamente importante
no diagnóstico do leucoedema é o fato de que ao se distender
a mucosa jugal , a lesão desaparece, retornando quando deixamos
de exercer a tração. O leucoedema não tem significado
patológico, nem requer tratamento por ser inócuo.
Doenças como o nevo branco esponjoso,
leucoplasia e líquen plano devem fazer parte das hipóteses
diagnosticas tendo em vista sua semelhança com o leucoedema.
TOROS E EXOSTOSES
Os toros e exostoses são protuberâncias
localizadas na superfície perióstica da maxila e mandíbula
do osso adulto, cuja designação precisa depende da localização
anatômica. embora, possa ocorrer na maxila e mandíbula em
qualquer localização e idade, a maior prevalência
é evidenciada na língua mediana do palato (20%), sendo que
nessa região recebe o nome de toros palatinos. Esse tipo
de toro predomina nas mulheres, normalmente antes da terceira década.
A segunda localização mais comum é
na mandíbula (8%), onde há anormalidade se situa na face
lingual da região de pré-molares e molares, sendo denominado
nessa localização de toros mandibulares, afetando ambos
os sexos igualmente.
Clinicamente os toros se caracterizam por massa óssea
de crescimento lento e assintomático, revestido por mucosa normal.
Os toros formam configurações variadas referidas como nodular,
fusiforme, lobular ou achatada de tamanho variado. As exostoses
são excrecências ósseas múltiplas que ocorrem
menos comumente que os toros . São nódulos ósseos
assintomáticos, que estão presentes ao longo da face vestibular
do osso alveolar. essas alterações são notadas com
maior frequência nas porções posteriores da maxila
e mandíbula. Radiográficamente se apresentam como áreas
radiopacas circunscritas ou difusas. A etiologia dessas anormalidades
permanece obscura, embora tenham sido apresentadas evidencias sugerindo
uma condição hereditária dos toros. Já nas
exostoses, tem sido sugerido que esses crescimentos ósseos representam
uma reação aumentada às forças oclusais dos
dentes nas áreas envolvidas. Essas lesões são de
pouco significado clinico . O tratamento dos toros e exostoses é
desnecessário, a menos que seja exigido por questões protéticas
ou tramas freqüentes à mucosa suprajacente.
PIGMENTAÇÃO RACIAL
Pigmentação racial , pigmentação
melânica ou melanose racial são denominações
de manchas de coloração escura localizada em área
da mucosa bucal de indivíduos da raça negra.
Apesar de serem extremamente comuns, alguns indivíduos não
as apresentam . A maior prevalência da pigmentação
racial é em áreas de gengiva inserida, seguida da mucosa
jugal, palato e língua.
Em alguns casos, as lesões localizadas na mucosa
jugal língua podem deixar dúvidas quanto ao diagnóstico
e prognóstico, razão pela qual indica-se a realização
de biópsia para exclusão de outras patologias.
Por se tratar de alteração benigna e sem
maiores consequências , não requer tratamento. Nem tanto
, quando a pigmentação for única, de bordas irregulares
e ulcerada, devemos afastar a hipótese de melanoma.
GRÂNULOS DE FORDYCE
São glândulas sebáceas ectópicas,
pois estes são anexos naturais da pele e não da mucosa bucal.
Clinicamente aparecem como pequenas pápulas amareladas, pouco elevadas
de diâmetro não superior à 2mm ( desde que não
estejam coaptadas ). Usualmente encontram-se unidas formando conglomerados
que localizam-se com maior frequência na mucosa jugal ( região
posterior ) e na mucosa labial.
Há um aumento significativo da prevalência
dos grânulos de fordyce com a idade. Não apresenta nenhum
significado patológico e portanto não deve ser tratado.
A importância do correto diagnóstico é o fato de poder-se
orientar os pacientes quanto ao aspecto benigno desta alteração.
CONCLUSÕES
A análise e estudo das alterações
bucais não patológicas, nos permitiu chegar a algumas conclusões
a saber :
- O conhecimento profundo da anatomia bucal é de fundamental importância para a elaboração de um diagnóstico correto,
- O exame clinico detalhado e completo é fundamental na elaboração de hipótese diagnóstica confiável,
- O conhecimento de alterações comuns e inócuas da cavidade bucal é necessário para que o cirurgião-dentista tranquilize seus pacientes quanto ao seu prognóstico.
- O conhecimento profundo da anatomia bucal é de fundamental importância para a elaboração de um diagnóstico correto,
- O exame clinico detalhado e completo é fundamental na elaboração de hipótese diagnóstica confiável,
- O conhecimento de alterações comuns e inócuas da cavidade bucal é necessário para que o cirurgião-dentista tranquilize seus pacientes quanto ao seu prognóstico.