quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

HEMOGRAMA: Considerações em Odontologia

          O hemograma é um exame complementar que auxilia tanto no diagnóstico de doenças sistêmicas e locais, quanto permite avaliar as condições gerais do paciente para a realização de um procedimento odontológico. Embora seja inespecífico o hemograma pode apresentar alterações que, quando somadas a outros dados clínicos e exames complementares, permite que o cirurgião dentista avente hipóteses diagnósticas sobre patologias ou avalie o grau de risco para determinados procedimentos cirúrgicos ou medicamentosos.
A interpretação do exame requer conhecimento prévio sobre as áreas básicas, como fisiologia, histologia, bioquímica, patologia, entre outras que, direta e indiretamente, influenciam no momento de análise laboratorial do paciente. Seria muita pretensão abordar este tema achando que neste espaço resolveríamos os nossos problemas interpretativos. O objetivo é trazer conceitos básicos do assunto para que estes contribuam para o atendimento clínico quando houver tal exame para analisar ou solicitar.
Para facilitar e tornar didática a abordagem do exame é conveniente dividi-lo em três partes: série vermelha, série branca e plaquetas. A primeira fornece dados referentes ao número e qualidade das hemáceas, concentração de hemoglobina e hematócrito. A segunda parte versa sobre a quantidade e qualidade de glóbulos brancos (totais e específicos). A última parte do exame apresenta a quantidade de plaquetas (trombócitos). Não basta comparar os valores obtidos pelo paciente e comparar com os valores de referência, isto geralmente é feito pelo próprio paciente. Os valores de referências estão descritos na maioria dos exames laboratoriais, não sendo obrigatório decorá-los. O importante é saber o que significa cada alteração encontrada.
Quando o sangue é centrifugado seus elementos figurados são distribuídos em 3 fases: os eritrócitos são depositados na porção inferior do tubo, os leucócitos e plaquetas ocupam a porção intermediária e o plasma situa-se logo acima (Figura 1).



  1. Série Vermelha

As hemáceas são bicôncavas, anucleadas quando maduras e apresentam em sua superfície a proteína responsável pelo transporte de O2 para os tecidos (Figura 2).





a. Eritrócitos: corresponde ao número de hemáceas (glóbulos vermelhos) por milímetro cúbico. O aumento de eritrócitos denomina-se eritrocitose (policitemia) e está relacionado com a proliferação de células pela medula óssea. Tal fenômeno ocorre quando necessitamos de oxigênio (hipóxia) como nas adaptações orgânicas frente às regiões altas (montanhosas), doenças pulmonares (DPOC), câncer de medula óssea, entre outras. Já a diminuição de eritrócitos (hemáceas) recebe o termo eritropenia, e esta é a única condição que podemos afirmar estar diante da anemia. A eritropenia pode se dar pela perda do volume de sangue (hemorragia), trauma, por exemplo; doenças mielodegenerativas (supressão da medula óssea); anemia aplásica; anemia hemolítica; entre outras.

b. Concentração de Hemoglonina: porcentual da proteína responsável pelo transporte de Oxigênio para os tecidos. Em baixas concentrações proporciona ao indivíduo a sintomatologia de hipóxia, como tonturas, fadiga, palidez, dificuldade na cicatrização e reparação tecidual, condizente com quadros de anemia.

c. Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM): média da concentração de hemoglobina em cada eritrócito. Expressada em porcentagem.

d. Volume Corpuscular Médio (VCM): volume médio de cada eritrócito. Quando acima da referência, macrocítica, quando menor, microcítica. Essas alterações estão relacionadas com o tipo de anemia.

e. Hematócrito (Htc): proporção entre a fração de eritrócitos encontrados na amostra e o volume total de sangue (Figura 1). Fornece a idéia de espaço em que os eritrócitos ocupam na amostra, se estes estiverem em menor quantidade, reflete em hematócrito baixo, ou se houver diminuição do volume dos mesmos (microcíticos) também reduz o valor do hematócrito. Portanto há duas formas de obter Htc baixo, número e volume dos eritrócitos reduzidos. Auxilia no diagnóstico da condição anêmica.
Os eritrócitos podem sofrer modificações na sua forma, conferindo às hemácias aspecto de esfera, foice, elíptica, em canoa, etc. A alteração de forma recebe o nome de poiquilocitose, que pode ser expressa no sistema de cruzes, como: +, ++, +++, respectivamente: leve, moderada e severa. Por outro lado pode haver também modificações no volume da hemácia, anisocitose, seguindo a simbologia das cruzes. Tais alterações, quando ocorrem, vêm expressas no exame.

Portanto, qualquer alteração na quantidade, forma, volume das hemácias e no percentual de hemoglobina, afeta oxigenação dos tecidos, o que leva ao comprometimento das funções celulares em processos patológicos e intervenções cirúrgicas de cunho odontológico.

2. Série Branca

É sabido que os glóbulos brancos são responsáveis pelo sistema de defesa do organismo, estão aumentados em processos infecciosos bacterianos e parasitários, em certas doenças autoimunes, destruição tecidual por doenças degenerativas, e estão diminuídos em casos de infecções virais. Para avaliar cada tipo de glóbulo branco é necessária a contagem diferencial de leucócitos, presente quando solicitamos o hemograma completo (Figura 3).




 a. Leucócitos: fornece a quantidade total de glóbulos brancos. Geralmente está aumentado, leucocitose, em processos infecciosos agudos ou crônicos, reações alérgicas, leucemias, etc. Para cada situação há um tipo de leucócito aumentado, para tal, faz-se a contagem diferencial seguida abaixo.

b. Neutrófilos: são responsáveis pela fagocitose e estão aumentados, neutrofilia, nos processos infecciosos e inflamatórios.

c. Eosinófilos: estão aumentados, eosinofilia, em processos infecciosos (parasitas), doenças imunológicas e reações alérgicas ou de hipersensibilidade.

d. Basófilos: também aumentados, basofilia, em processos inflamatórios e imunológicos.

e. Linfócitos: atuam na resposta imunológica, quando aumentados, linfocitose, quando em carência, linfopenia. Nesta última há um comprometimento da imunidade do indivíduo, tornando-o susceptível à infecções oportunistas.

f. Monócitos: geralmente estão em grande número, monocitose, nos processos infecciosos crônicos ou em fase final das infecções, fazem a “limpeza” do que antes já foi o “campo de batalha”.
Na corrente circulatória é comum encontrarmos células maduras, quando observamos células jovens, sejam eritrócitos ou leucócitos, significa que há um processo agudo acontecendo, no caso de leucócitos jovens circulantes (mielócitos, pró-mielócitos, meta-mielócitos) estamos frente à infecções agudas, onde há necessidade de haver células de defesa disponível na corrente sangüínea, ou em enfermidades que acometem a medula óssea, tornando-a hiperfuncionante, como pode ocorrer na leucemia. Quando temos células jovens circulantes em número acima da referência, denominamos de desvio à esquerda, já a presença de células maduras, desvio à direita.

3. Plaquetas

Refere ao número de plaquetas (trombócitos) na amostra. Quando abaixo da referência, trombocitopenia. Ocorre em casos em que a produção das plaquetas está prejudicada, como em medicamentos, doenças da medula óssea (insuficiência mielóide), viroses, leucemias agudas, aumento do baço (esplenomegalia), aplasias da medula, quimioterapia, radioterapia, púrpuras trombocitopênicas imunológicas, entre outras. O processo de coagulação fica prejudicado, embora ainda haja resposta com número de plaquetas em até 90 000 por microlitro. Já quando ocorre aumento do número de plaquetas, trombocitose, há o risco para as tromboses, que são obstruções dos vasos sangüíneos em membros inferiores, isquemia cardíaca e cerebral.
Como vimos, o hemograma é indicado na avaliação do estado geral do indivíduo para procedimentos odontológicos; quando houver suspeita de infecções bacterianas ou virais; suspeita de anemia; fornecer dados para hipóteses diagnósticas de doenças malignas do sangue, autoimunes, entre outras; avaliar o possível decréscimo das plaquetas interferindo no fenômeno da coagulação; entre outras.